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ORIENTAÇÃO: Psicóloga do HGE ensina como identificar a dislexia em crianças

Entenda os sintomas e o tratamento do distúrbio que atrapalha a leitura e a escrita

por Marcel Vital – Agência Alagoas

Para a maioria das crianças, o período da alfabetização é um momento feliz e de descobertas. Mas, para algumas, automatizar as primeiras letrinhas e distinguir os sons e a escrita das vogais, torna-se um verdadeiro pesadelo, daqueles que deixam a boca seca e o coração encharcado em agonia. Muito mais do que preguiça, falta de atenção ou má formação escolar, pessoas com esses sintomas podem ter dislexia – transtorno de aprendizagem que afeta 5% a 17% da população mundial.

De acordo com Cíntia Maria Silva, psicóloga do Hospital Geral do Estado (HGE), aprender a memorizar o alfabeto e os sons são obstáculos para os portadores com dislexia. A leitura é, portanto, lenta e a criança não compreende a função e o sentido das palavras responsáveis pela coesão em um texto. É capaz de copiar o que está na lousa, mas não consegue escrever de maneira espontânea.

Apesar de ser chamada de transtorno de aprendizagem, a dislexia diz respeito à questão da linguagem escrita. O disléxico não apresenta dificuldades na linguagem oral e compreende bem o que escuta.  Mas a dislexia pode comprometer outras coisas, como a orientação espacial ou a decodificação de informações gráficas variadas. Pessoas com dislexia geralmente não têm dificuldades em entender ou fazer desenhos, porque isso depende de um circuito cerebral diferente. Já o problema em entender símbolos matemáticos tem um nome específico, que é chamado de discalculia.

O funcionamento do cérebro

No processo de leitura, os disléxicos recorrem somente à área cerebral que processa os sons da voz. A consequência disso é que eles têm dificuldades em distinguir os sons das sílabas, pois a região cerebral responsável pela análise de palavras permanece inativa, tanto que cegos podem ser disléxicos, tendo dificuldades de ler em braile.

Dessa forma, segundo a psicóloga do HGE, as ligações cerebrais não incluem a área responsável pela identificação de vocábulos e, portanto, a criança disléxica não consegue reconhecer palavras que já tenha lido ou estudado. A leitura se torna um grande esforço, porque toda palavra, mesmo que ela já tenha visto inúmeras vezes, aparenta ser nova e desconhecida.

Maiores problemas em sala de aula

Sons semelhantes são confundidos (T por D, P por B, F por V); há inversões (casa/saca); supressões (branco/banco); espelho (sol/los, bola/alob); repetição (bananana) e divisão inadequada de sílabas (Eugos-todomeu-pai). Além disso, a criança troca as noções de direita e esquerda, tendo dificuldade de memorizar o alfabeto e fica estressada para ler em voz alta.

Cíntia Silva salientou, ainda, que a dislexia começa a se manifestar quando a criança entra na escola e começa a ser alfabetizada, mas pode acontecer antes. Demorar demais para aprender os nomes das letras ou as confundir muito, por exemplo, pode ser sinal de que há algum problema. “Mas é preciso cuidado para não embaralhar isso com as dificuldades normais que existem no processo de alfabetização. Assim, é aconselhado esperar cerca de dois anos após o início dessa fase”, orienta.

Mais há um lado positivo. Seja qual for a severidade das dificuldades com a leitura e a escrita, crianças com dislexia frequentemente apresentam capacidade de aprendizagem média ou acima da média para sua idade. Caso não seja tratada ainda na infância, o problema pode se estendido para a vida adulta, piorando ainda mais os sintomas. “No entanto, se a criança tiver um QI acima da média, ela pode ser um excelente pianista, por exemplo, mesmo tendo dificuldade na aprendizagem da leitura e escrita”, afirma.

E o tratamento, existe?

Embora não haja cura para a dislexia, os tratamentos trazem melhorias significativas aos portadores. Desde junho de 2013, o Centro Especializado em Reabilitação (CER) – serviço implantado pela Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) -, presta assistência à saúde de pessoas portadoras de deficiência na área da reabilitação, com a finalidade de atingir o maior nível de independência física e funcional destes pacientes, inclusive aos portadores de dislexia.

De acordo com Sabrina Pimentel, fonoaudióloga da Uncisal, o diagnóstico é feito a partir de uma avaliação multidisciplinar com um neurologista, um fonoaudiólogo, um psicopedagogo e um psicólogo, na qual a pessoa é ajudada a desenvolver suas próprias estratégias para lidar com as dificuldades na leitura e escrita. Em alguns casos, a depender do grau da dislexia, é indicado o uso de remédios para ajudar no tratamento, a exemplo de crianças que são acometidas pelo Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, o TDAH. 

“O tratamento é sempre de médio e longo prazo, uma vez que a dislexia é um distúrbio de aprendizagem em que o paciente não tem cura. Não podemos determinar o tempo em que ele vai ficar bom. Mas conseguimos dar muita qualidade de vida, melhorando as dificuldades de leitura e escrita, principalmente. Contudo, a melhora vai depender não só dele, mas também de um apoio familiar, profissional e escolar”, explica.

“Se ele estiver bem ao longo de dois anos, a equipe dará uma alta temporária. Porém, a cada três meses, ele retornará para uma avaliação”, ressaltou, ao informar que o atendimento ocorre uma vez por semana, com duração de 40 minutos, onde o paciente é acolhido por alunos da própria instituição sob a supervisão de um professor.

Matheus Felipe de Oliveira, 18 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio, é um dos beneficiados pelo serviço. O vocabulário para descrever o que via, escutava, sentia e pensava, só aconteceu quando ele completou seis anos de idade. E, apesar de ter bons professores nas escolas por onde andou, a leitura começou na adolescência, ao passo que as transformações corporais e emocionais aconteciam em sua vida.

A sua dificuldade em aprender a trabalhar as sílabas e a resolver cálculos matemáticos não era por ser “burro” ou “preguiçoso”, como achavam seus professores, familiares e colegas de classe. Pelo contrário. O jovem de físico magro e angelical – cabelos pretos lisos, nariz pequeno, olhos castanho-escuros e sobrancelhas ligeiramente angulosas -, sempre se esforçava para tirar boas notas em seu boletim escolar, mas elas permaneciam baixas, embora conseguisse passar de ano.

Em 2015, ao assistir uma reportagem na tevê, que falava sobre dislexia, o jovem percebeu que os sintomas se encaixavam no seu perfil. Sozinho, ele procurou um médico, que o diagnosticou com dislexia. Passado alguns meses, ele foi encaminhado para iniciar o tratamento na Uncisal. No local, Oliveira encontrou o suporte que tanto precisava. Com o auxílio de uma fonoaudióloga e de uma terapeuta ocupacional, o adolescente tem conseguido melhorar sua aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita.

“Sabe quando uma criança abre os olhos pela primeira vez?”, indagou o estudante. “Foi assim que me senti quando comecei a ver os resultados do tratamento. Uma emoção que se renova a cada instante, pois eu passei a conhecer um mundo novo, diferente”, contou, colocando grande ênfase na palavra “diferente”.

Táticas para ir além dos benefícios

Usar um relógio no pulso direito para se localizar; perguntar ao motorista para qual direção o ônibus está indo; diferenciar os meses do ano dos dias da semana por meio de números específicos; gravar todas as aulas e transcrever todo o conteúdo para as folhas em branco de seu caderno, entre outros tantos aspectos de fundamental relevância, são algumas das estratégias e metodologias que o jovem passou a adotar após descobrir a dislexia.

“Enquanto as pessoas revisam os assuntos quando vão realizar uma prova, eu tenho que estudar o conteúdo novamente. É como se eu estivesse vendo aquilo pela primeira vez em minha vida. Como o tempo é curto, é preciso estudar cada matéria sem parar”, contou.

O seu sonho é prestar vestibular para arquitetura e, posteriormente, seguir carreira acadêmica. Ele sabe o quanto é difícil, mas não pensa em desistir no meio do caminho. “Hoje eu posso garantir que conquistei minha paz e a felicidade plena”, disse o jovem, sentado à mesa da biblioteca de sua escola, num fim de tarde.

O SERVIÇO – Centro Especializado em Reabilitação (CER). Na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – Uncisal, Campus Governador Lamenha Filho – (Rua Doutor Jorge de Lima, 113, Trapiche da Barra, Maceió, AL, tel. 3315-8279). Todas as quintas-feiras, das 8h às 12h.